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segunda-feira, 24 de maio de 2010

. Sinto ..

O pior é que ela poderia riscar tudo o que pensara.
Seus pensamentos eram, depois de erguidos, estátuas no jardim e ela passava pelo jardim olhando e seguindo o seu caminho.
Estava alegre nesse dia, bonita também.
Um pouco de febre também.
Por que esse romantismo: um pouco de febre?
Mas a verdade é que tenho mesmo: olhos brilhantes, essa força e essa fraqueza, batidas desordenadas do coração.
Quando a brisa leve, a brisa de verão, batia no seu corpo, todo ele estremecia de frio e calor.
E então ela pensava muito rapidamente, sem poder parar de inventar.
É porque estou muito nova ainda e sempre que me tocam ou não me tocam, sinto — refletia ...



[O azul voltava a invadir meu corpo
entrando por todos os poros
sem pedir licença..
E eu continuo sem dizer "não".
Apenas sinto.
E sorrio.

.. Digo "sim".]



terça-feira, 18 de maio de 2010

. Um beijo. Até um dia ..

Quando encontrá-lo, abrace-o demoradamente.
Olhe-o nos olhos.
Respire fundo e se sente.
Se ele te elogiar - sorria.
Se ele não o fizer - sorria mesmo assim.
Depois diga, olhando fixamente em seus olhos: "Eu não estou disposta a sofrer, desculpa. Eu te amo, mas eu tenho que ir. Eu tenho sonhos, mas não agora. Um beijo. Até um dia."

E saia de lá com humildade.

[Chega de me doar
Chega de me doer]


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segunda-feira, 10 de maio de 2010

...

É noite aqui. Levanto os olhos pro céu como se quisesse caçar estrelas que me escapam em pleno voo. Pergunto-me como é possível sentir alguém tão distante e, no entanto, poder ler cada dobra de seus lábios. O monstro de chocolate continua fazendo sombra na minha escrivaninha. Continua nevando aqui. Mas muito pouco. Eu fujo da neve para que meu coração não esfrie. Vai ver esta neve é a caspa de Deus coçando a cabeça, enquanto pensa no que vai fazer comigo...


[... E vamos levando.
Se ficar heavy metal demais,
dou o fora!]

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sábado, 8 de maio de 2010

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Que a verdade ou mata ou cura.
O que adoece é a dúvida...
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[Dia de sol, dia de mar.]

quinta-feira, 6 de maio de 2010

. Ele está perto ..

O rosto dele próximo do meu. A sua mão toca meu ombro, sobe meu pescoço, me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos. O seu corpo cola-se ao meu. A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras, colando-se à minha, de leve, de tão leve, que receio um movimento, um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento. Estou em branco com a noite. Ele me abraça. Ele está perto..



[Achei um pouquinho mágico,
mágico suave,
você sabe - nós ali,
lado a lado,
falando praticamente
das mesmas coisas.]

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quarta-feira, 5 de maio de 2010

. Compulsões ..

"Nos dias que antecediam a sua chegada, eu acordava no meio da noite, o coração disparado. As palmas das mãos suavam frio. Sem saber porque, nas manhãs seguintes, compulsivamente eu começava a comprar flores, limpar a casa, ir ao supermercado e à feira para encher o apartamento de rosas e palmas e morangos daqueles bem gordos e cachos de uvas reluzentes e berinjelas luzidias (os dragões, descobri depois, adoram contemplar berinjelas) que eu mesmo não conseguia comer. Arrumava em pratos, pelos cantos, com flores e velas e fitas, para que os espaços ficassem mais bonitos. (...) Porque não conseguia dormir nem comer, à espera dele. Agora, agora vou ser feliz, pensava o tempo todo numa certeza histérica. Até que aquele cheiro de alecrim, de hortelã, começasse a ficar mais forte, para então, um dia, escorregar que nem brisa por baixo da porta e se instalar devagarzinho no corredor de entrada, no sofá da sala, no banheiro, na minha cama. Ele tinha chegado. (...) Antes, antes ainda, o pressentimento de sua visita trazia unicamente ansiedade, taquicardias, aflição, unhas roídas. Não era bom. Eu não conseguia trabalhar, ira ao cinema, ler ou afundar em qualquer outra dessas ocupações banais que as pessoas como eu têm quando vivem. Só conseguia pensar em coisas bonitas para a casa, e em ficar bonito eu mesmo para encontrá-lo. A ansiedade era tanta que eu enfeiava, à medida que os dias passavam. E, quando ele enfim chegava, eu nunca tinha estado tão feio. Os dragões não perdoam a feiúra. Menos ainda a daqueles que honram com sua rara visita. Depois que ele vinha, o bonito da casa contrastando com o feio do meu corpo, tudo aos poucos começava a desabar. Feito dor, não alegria. Agora agora agora vou ser feliz, eu repetia: agora agora agora."


[.. Amanhã ..]

Anunciação, Alceu Valença .

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